A felicidade é certa atividade da alma segundo perfeita virtude. [...]
Deve-se evidentemente investigar a virtude humana, pois procurávamos o bem humano e a felicidade humana. Por virtude humana, entendemos não a [virtude] do corpo, mas a da alma, e, por felicidade, entendemos atividade da alma. [...] Uma parte [da alma humana] é não racional; a outra, dotada de razão. [...] Da parte não racional, uma se mostra comum e vegetativa – refiro-me à causa do alimentar e do crescer. [...] Uma outra natureza da alma também se mostra ser não racional, participando, porém, em certa medida, da razão. Com efeito, elogiamos, no homem que se controla e no acrático, a razão e a parte racional da alma, pois ela exorta corretamente às melhores ações. [...]
A parte não racional é dupla: a vegetativa em nada participa da razão, ao passo que a apetitiva e, em geral, desiderativa participa de certo modo da razão, na medida em que é acatadora e obediente, do modo como dizemos prestar atenção à razão do pai e dos amigos, mas não do modo como dizemos ter razão na matemática. [...] Também a virtude é dividida segundo essa diferença, pois dizemos que umas [virtudes] são intelectuais e outras, morais. [...] Sendo dupla a virtude – uma intelectual, a outra moral –, a virtude intelectual tem gênese e aumento em grande parte pelo ensino (por isso requer experiência e tempo), ao passo que a virtude moral resulta do hábito. [...]
Fica claro a partir disso que nenhuma virtude moral se engendra em nós por natureza, pois nada do que existe por natureza habitua-se a ser diverso [do modo como é]. Por exemplo, a pedra, que por natureza se move para baixo, não se habituaria a mover-se para cima, nem mesmo se alguém tentasse habituá-la lançando-a milhares de vezes para cima; tampouco o fogo se habituaria a mover-se para baixo, nem qualquer outro ser que é naturalmente de um modo se habituaria a ser diferentemente. Por conseguinte, as virtudes não se engendram nem naturalmente nem contra a natureza, mas, porque somos naturalmente aptos a recebê-las, aperfeiçoamo-nos pelo hábito. [...] Os homens tornam-se construtores construindo casas e tornam-se citaristas tocando cítara. Assim também, praticando atos justos, tornamo-nos justos; praticando atos temperantes, [tornamo-nos] temperantes; praticando atos corajosos, corajosos. [...]
Ademais, é por meio das mesmas coisas que se engendra e se corrompe toda virtude, assim como a arte: com efeito, do praticar a cítara surgem tanto os bons como os maus citaristas. Os construtores e todos os demais artesãos analogamente: por construir bem, tornar-se-ão bons construtores; por construir mal, maus construtores. Se não fosse assim, ninguém precisaria do mestre, mas todos nasceriam bons ou maus. Assim também se passa com as virtudes: agindo nas transações entre os homens, tornam-se uns justos; outros, injustos; agindo nas situações de perigo e habituando-se a temer ou a ter confiança, tornam-se uns corajosos; outros, covardes. O mesmo ocorre no caso dos apetites, assim como no das iras, pois se tornam uns temperantes e tolerantes; outros, intemperantes e irascíveis, uns por persistirem a agir de um jeito nas mesmas situações, outros por persistirem de outro jeito.