O título acima corresponde a uma frase de Aristóteles. O que você acha que ele quis dizer quando afirmou que o homem é um animal naturalmente político (em grego, idioma do filósofo, se diz zóon politikon)? Essa concepção significa que faz parte da essência do homem ser político, que é assim e não pode ser de outra forma?
No primeiro livro de A política (a obra completa inclui oito volumes), Aristóteles analisou as características humanas em comparação às dos demais animais, afirmando que a cidade e a convivência comunitária seriam naturais ao homem, isto é, a organização das cidades e o desenvolvimento das civilizações faria parte da sua natureza. Sabe-se que a palavra política vem do conceito grego pólis (cidade), ou seja, a política é inseparável da vida em comunidade, da vida coletiva.
A pólis era composta por uma região urbana, onde ficavam a ágora (praça central que servia para reuniões públicas), o templo e o mercado. A área rural era formada pelos campos vizinhos à cidade, cultivados tanto por camponeses livres quanto por escravos. Cada cidade-Estado grega era um centro político, social e religioso autônomo, ou seja, possuía sua classe dominante, deuses e um sistema de vida próprios. Cada cidade-Estado era governada por um rei, o basileus, auxiliado por um conselho formado por representantes da aristocracia e uma assembleia popular de cidadãos (aqueles que tinham direitos políticos). As principais cidades-Estados foram Atenas, Esparta, Tebas, Corinto, Argos, Olímpia, Megara e Mileto. (Fonte: BERNARDES, Luana. A pólis grega. Todo Estudo. Disponível em: https://www.todoestudo.com.br/historia/a-polis-grega. Acesso em: 10 de março de 2024.)
É bastante polêmico e delicado determinar o que é “da natureza” dos seres humanos, pois, ao naturalizar certas características, é provável que se iniba uma reflexão sobre elas. Ao dizer que algo é natural, assume-se que esse algo não depende da vontade humana. Uma forma inadequada de uso do termo pode ser vista no exemplo a seguir. Quando algumas pessoas dizem que todos os políticos brasileiros são naturalmente corrompidos pelo poder, elas estão afirmando que é da natureza dos políticos serem corruptos e que, portanto, estes não poderiam exercer a política de outra forma.
Deve-se entender, então, o que Aristóteles quis dizer com o que é natural:
[...] a natureza de cada coisa é precisamente seu fim. [...] Bastar-se a si mesma é uma meta a que tende toda a produção da natureza e é também o mais perfeito estado. (ARISTÓTELES. A política. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 4.)
Ou seja, a natureza das coisas seria seu grau máximo de desenvolvimento. Assim, é possível compreender que o indivíduo, por natureza, busca a vida em comunidade, e é a política que pode permitir a ele alcançar seu pleno desenvolvimento, exatamente por ser a procura pelo bem comum. Segundo a filósofa Marilena Chauí, o ser nasce incompleto e passa sua vida desejando coisas e pessoas para satisfazê-lo. É por isso que ele precisa viver em comunidade e, assim, tornar-se um animal político.
Os dizeres da filósofa permitem ressaltar que, segundo Aristóteles, o fato de o ser humano ser dotado de linguagem torna essa capacidade algo essencial para a configuração do que é considerado político nele, ou seja, o atributo da fala é um elemento fundamental da política, assim como a elaboração das palavras. Foi daí que surgiu o termo parlamento, por exemplo: tendo como origem o significado de “falar”, ele passou a designar as assembleias legislativas ou o Congresso, lugares em que as leis são discutidas.
Outra importante contribuição aristotélica ao pensamento político diz respeito à demonstração de que a política não é uma simples continuação da família ou da soma de muitas famílias (aldeias), ainda que tanto a família quanto as aldeias sejam formas primárias de comunidades e se antecipem cronologicamente às cidades. A distinção entre essas formas de associação e a pólis se dá pelo modo como se opera o poder. No seio familiar, por exemplo, o pai tem sobre o filho um poder bastante diferente do poder da comunidade política – que é público, definido e regido por leis.
Para Aristóteles, os governos se diferenciariam em relação a quem governa (quem possui poder) e àquilo em que se baseiam para governar. Aristóteles também distinguiu três formas adequadas de governo: monarquia, aristocracia e governo constitucional. Cada uma delas tem sua versão corrompida, que são, respectivamente, a tirania, a oligarquia e a democracia, tal como se pode visualizar no quadro que se segue.
Para Aristóteles, o bom governo, correto e justo, seria exercido com vistas ao bem de todos, assim como a corrupção instaura-se na medida em que ele é realizado com o objetivo de alcançar interesses individuais. Segundo o filósofo, o bom governo não só se exerceria com vistas ao bem geral, como se refletiria nele, uma vez que o governante é um modelo para aqueles que ele governa. O oposto também é válido: um governo corrompido corromperá seus governados. O que diferencia, então, um bom governo de um corrompido é o fato de ele ser formado com vistas ao bem comum (para todos) ou quando tem o intuito de favorecer interesses particulares (para si). Daí a crítica de Aristóteles à democracia, que, para ele, é a forma corrompida, quando um grupo governa voltado aos interesses particulares.
Vale ressaltar que, no período da Antiguidade grega em que Aristóteles viveu, a sociedade foi regida por um sistema democrático. A democracia não era uma forma de governo da qual todos podiam participar. As mulheres, os jovens, os estrangeiros e os escravos estavam excluídos da cidadania. Era uma democracia direta, mas poucos eram aqueles que podiam se envolver.
Por isso, é preciso levar em consideração essa composição de Estado e o modelo político em que Aristóteles viveu para interpretar adequadamente suas críticas aos modelos políticos analisados em sua obra.