Essa obra do pintor holandês Rembrandt (1606-1669) é denominada Filósofo em meditação (1632). Além do título, a imagem faz alusão ao conhecimento no jogo de luz e sombras. Observe que a escada à direita oferece uma referência interessante, na medida em que tem seus primeiros degraus iluminados, mas sua continuação vai em direção à escuridão. Pode-se associá-la à construção do conhecimento, marcado por um impulso inicial. É possível, inclusive, estabelecer uma relação com a busca de clareza das ideias (nos primeiros degraus) e com as dificuldades encontradas nos próximos passos (escuridão). Repare que a luz de fora adentra o espaço interno, levando à reflexão sobre a relação entre a teoria (espaço interno, fechado) e a prática (espaço externo, a vida lá fora). Além disso, conduz a um importante aspecto: o de que a Filosofia não é mera contemplação ou puro pensamento, uma atividade abstrata, difícil e acessível a poucos, como alguns preconceitos levam a crer, mas é reflexão sobre problemas concretos e relevantes da realidade em que se vive. Assim como os filósofos pensaram acerca de questões que lhes eram importantes, você também pode fazê-lo.
A atitude filosófica pode ser descrita como aquela que não se contenta com o que parece natural. Na rotina diária, por exemplo, as pessoas são muitas vezes levadas a fazer várias coisas em pouco tempo e se queixam porque não vencem as obrigações que haviam planejado. A atitude filosófica interroga não só o que se chama de obrigação (O que é uma obrigação? Quem a determinou? Com quais critérios?), mas também como o indivíduo a encara (De que forma a tarefa seria feita? Contando com quais estratégias?), além de se preocupar com os motivos que levam o indivíduo a se sentir mal quando não consegue cumprir com o planejado (De onde vem esse sentimento? Qual a sua causa?). Mais ainda, questiona também o tempo – afinal, o que ele é?
É possível dizer, então, que a atitude filosófica, ao indagar sobre a natureza, a realidade, a economia, as relações, os sentimentos e as amizades, tem a ver com a reflexão, porque ela é exatamente o pensamento que pondera sobre o próprio pensamento. Há quem diga que em Filosofia é importante fundamentar tudo aquilo que é dito. Trata-se da exigência de rigor e demonstração que é típica dessa forma de conhecer e pensar sobre as coisas, isto é, do pensamento filosófico. Por outro lado, há também quem diga que não são apenas filósofos que podem produzir conhecimento filosófico.
Mas, afinal, o que é Filosofia? Ou, melhor ainda, onde ela acontece? Nas universidades? Nas ruas? Quem faz a Filosofia acontecer? Como?
A atitude filosófica tende a observar criteriosamente o mundo ao seu redor, isto é, nos mínimos detalhes e com um método predefinido, tendo como objetivo construir uma interpretação rigorosa do que acontece, sem se satisfazer, por exemplo, apenas com o conhecimento ancorado na crença de que seres ou fenômenos sobrenaturais interferem na organização do Universo.
O filósofo pode desconstruir, portanto, alguns dogmas ou crenças, porque defende o questionamento constante em lugar de aceitar uma resposta pronta, dada pela fé. Certamente as narrativas míticas ou a religião não são as únicas áreas em relação às quais se deve ter uma atitude crítica, sem mencionar que nem toda vivência religiosa é necessariamente acrítica.
É possível tanto encontrar a atitude filosófica na ação religiosa (quando, por exemplo, uma pessoa questiona suas próprias crenças) quanto observar posturas doutrinárias no procedimento científico (quando, por exemplo, um cientista crê cegamente nos seus procedimentos, sem levar em conta que eles podem estar equivocados). Afinal, não existe uma barreira intransponível entre Filosofia, Ciência, Religião e a vida do indivíduo comum. Todas essas modalidades de conhecimento podem se debruçar sobre as mesmas questões, encontrando respostas que lhes são próprias e adequadas aos seus métodos de investigação.
É muito mais fácil fazer uma afirmação em público quando se sabe que outras pessoas já ouviram aquilo antes e estão propensas à concordância. Se alguém diz, por exemplo, “O Brasil é o país do futebol”, provavelmente poucas pessoas vão questionar ou duvidar, pois é uma frase que já conquistou sua aceitação no cotidiano cultural do brasileiro, assim como as piadinhas ou os ditos populares. Isso é chamado de senso comum, ou seja, algo compreendido facilmente sem uma base científica, e cuja facilidade de absorção está fundamentada no fato de que esse discurso é aceito amplamente no meio social, ou seja, é reconhecido, revisitado e repetido muitas vezes em diversos setores da sociedade.
Muitas pessoas se perguntam (e você não deve ser exceção) qual é a utilidade prática da Filosofia. Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo por buscar explicar racionalmente os fenômenos físicos e a origem do Universo sem recorrer aos mitos, pode ser um bom exemplo de como responder a essa questão. Por conta da sua forte capacidade de observação, tornou-se um homem muito bem-sucedido, pois soube aproveitar os conhecimentos que acumulou sobre os movimentos da natureza e sobre os homens, que ele via como parte da natureza, para enriquecer. Enquanto a maioria das pessoas creditava aos deuses as boas colheitas (que por sua vez estimulavam o comércio, fazendo-as ter mais fartura), Tales notou que o clima, com suas variações meteorológicas, era o que, de fato, influenciava a qualidade delas. Conta-se que Tales, por meio de suas observações, previu que a colheita de azeitonas de determinado ano seria farta. Antes da temporada em que elas seriam colhidas e transformadas em azeite, Tales alugou todas as prensas. Então, quando todos estavam precisando delas para produzir o óleo, ele pôde cobrar o preço que julgou adequado, obtendo muitos lucros.
Esse é apenas um exemplo, que precisa, no entanto, ser questionado, para que não se caia no erro de considerar que a Filosofia tem sempre de apresentar uma utilidade prática imediata e, de preferência, voltada para a obtenção de ganhos financeiros. Tales também desenvolveu um teorema matemático (teorema de Tales), que você estudou (ou ainda vai estudar!) em Matemática. Se você pesquisar a história de disciplinas como a Matemática, a Química, a Física e a Biologia, verá que em seu início houve sempre um filósofo. Isso porque a Filosofia busca os fundamentos, a essência, o conceito e, por isso mesmo, ajuda a definir o objeto de cada campo do conhecimento. Então, achar a Filosofia inútil é condenar uma porção de coisas importantes à inutilidade. Nesse caso, é preciso cuidado!