Neste leitura, você vai compreender a desigualdade social da perspectiva dos filósofos Platão e Jean-Jacques Rousseau. Poderá perceber que cada um possuía uma concepção diferente do conceito de república e que cada um comentou as desigualdades que ocorriam nas respectivas sociedades. À luz dessas desigualdades, segundo esses autores, que viveram em diferentes épocas e lugares, você poderá refletir um pouco melhor acerca das desigualdades na sua sociedade, as causas disso, as consequências que afligem a população e que alternativas se apresentam para que as pessoas possam lidar com isso segundo uma postura ética, bem informada e cidadã.
O filósofo Platão afirmava que as desigualdades entre as pessoas era um dado natural: cada pessoa é diferente e já nasce com as aptidões que definirão sua vida. Jean-Jacques Rousseau, ao contrário, considerava que a desigualdade não é natural, ela é um problema social, isto é, o modo como nos organizamos socialmente é a causa da desigualdade. O que você pensa sobre isso?
A fotografia de Tuca Vieira é um famoso retrato da desigualdade social no Brasil. A imagem registra a divisão social das classes, revelando lado a lado a favela de Paraisópolis e um prédio de luxo no bairro do Morumbi, na zona sul da cidade de São Paulo (SP).
Platão utilizou a cidade de Calípolis, que, traduzido do grego, significa “cidade bela”, como exemplo ideal de como funcionaria sua concepção de política. A cidade é utópica, ou seja, idealizada, e apresenta o sistema que se passou a conhecer como a República platônica, ou a República de Platão. Nesse ambiente imaginário, Platão oferece outra possibilidade em relação ao sistema político de Atenas, pois é um crítico da sociedade ateniense (e principalmente da democracia ateniense).
O principal foco de atenção neste tema, isto é, o aspecto específico que se pretende observar na tese de Platão, é o princípio de que todas as pessoas são diferentes umas das outras e, por isso, devem ocupar funções e locais distintos na sociedade. Esse princípio é muito diferente de como se entende a igualdade na cultura contemporânea, de maneira que hoje a igualdade social é um pressuposto para uma sociedade pretensamente justa e uma meta a ser alcançada, enquanto, no período de Platão, ela não era um objetivo social, ainda que se possa supor que nem todos pensassem assim. A forma pela qual os gregos enxergavam a igualdade social não pressupunha que todos os homens fossem ou devessem ser iguais perante a lei, o Estado ou sua cultura. Ainda assim, vale a ressalva de que a cidadania era regida pelos princípios de isegoria – o direito de expressar sua opinião – e de isonomia – a igualdade perante a lei. Ou seja, esses fundamentos são válidos entre os pares que são considerados cidadãos.
Os gregos chamavam de Paideia o processo de educação, algo muito mais amplo do que a concepção contemporânea de escola, mas que de certo modo cumpre função semelhante. A origem da palavra é grega e sua tradução literal é “criação de crianças”, e diz respeito ao que os antigos gregos entendiam como o processo educacional. É importante ressaltar aqui que o objetivo dessa educação (Paideia) era que cada indivíduo pudesse desenvolver plenamente as suas habilidades, inclinações e talentos, ainda que não fosse intenção desse modelo educacional que todas as crianças tivessem as mesmas condições ou aprendessem os mesmos conteúdos. Mais uma vez, estava presente a ideia de que a diferença entre as pessoas não era um problema social nem algo a ser superado.
Para Platão, a igualdade de direitos e deveres perante a lei do Estado é um absurdo, já que os indivíduos não são iguais, cada qual possuindo aptidões, inclinações e capacidades diferentes. Lembre-se de que Platão viveu há mais de 2 mil anos e que a estrutura cultural e social com a qual lidou era radicalmente diferente daquela em que você vive. Na Grécia Antiga, a escravidão era considerada uma atividade natural, aceitável e comum, algo que hoje é intolerável. Além disso, não se pode perder de vista que vencer a desigualdade social é, ou deveria ser, uma das grandes preocupações das formas de governo do tempo atual.
Platão afirmava que as pessoas poderiam ser classificadas em três categorias, que serviriam para explicar a posição que elas ocupavam na sociedade: a maioria teria alma de bronze, cuja parte apetitiva tinha mais influência (trabalhadores e escravos); outros, alma de prata, aqueles com influência da parte irascível da alma (guardas); e uns poucos, alma de ouro, cuja influência maior seria da parte racional e, portanto, seriam aptos para guiar e governar os demais.
O filósofo francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) abre sua obra mais influente, Do contrato social e discursos sobre a economia política, publicada em 1762, com as seguintes palavras:
O homem nasceu livre e em toda parte está a ferros.
Ou seja, para Rousseau, o homem nasce livre, mas por toda parte está acorrentado, preso. O pensador partiu do princípio de que todo homem é naturalmente livre e bom, e a liberdade não precisa ser conquistada pelo estabelecimento de leis e de fundamentos sociais. Ao contrário, muitas vezes é justamente isso que tolhe a liberdade do ser humano. No entanto, se a proposta deste texto é debater as leis e os fundamentos sociais por meio da obra de Rousseau, então é necessário que também se compreenda seu contexto histórico, em que momento viveu e produziu.
Rousseau viveu e produziu na França durante o que se chama de Iluminismo (final do século XVIII), estando entre os principais pensadores que marcaram esse período. Sua obra, e toda a produção iluminista, visava estimular o pensamento racional, questionando os fundamentos do Antigo Regime, entre os quais estavam principalmente os dogmas da Igreja e o absolutismo monárquico, bem como incentivar o saber, a liberdade e a igualdade. Muitos dos filósofos iluministas foram considerados críticos e agitadores, indivíduos a favor de uma expressiva reforma social, além de questionadores do status quo, ou seja, do estado de coisas, da maneira como o poder estava distribuído e, sobretudo, concentrado.
Segundo Rousseau, o homem em estado de natureza, isto é, antes da instituição da sociedade, seria o “bom selvagem”, gentil e propenso ao coletivismo e à harmonia com seu meio. Então, segundo sua teoria, o homem nasce predisposto à empatia e a uma atitude virtuosa, mas, à medida que caminha para o estado de sociedade, passa a se perceber diferente do seu meio ambiente e dos demais seres vivos, incluindo o próprio semelhante. Ou seja, é a própria sociedade que corrompe a virtude e conduz o ser humano aos vícios, à injustiça e à desigualdade.
Porém, se todos os homens nascem livres e bons, de onde vem esse “contágio” com a corrupção? Decerto da própria civilização, diria Rousseau. Mas que aspecto da civilização? Para o filósofo, esse “mal civilizatório” teria se originado na primeira vez em que um homem demarcou um território, chamando-o de seu, e estipulou suas leis para serem impostas sobre os que ali adentrassem. A propriedade privada seria a semente de todos os males sociais. Com a demarcação de território, e exclusivamente para protegê-lo, teria surgido a necessidade de um sistema de leis. Para Rousseau, essa estruturação social geraria uma lacuna, um distanciamento entre o indivíduo e suas virtudes naturais, impondo leis injustas, inventadas para atender aos interesses dos mais abastados, e estabelecendo um sistema cujo objetivo primário é proteger a propriedade dos ricos, em vez de atender às necessidades dos pobres.
Rousseau afirmava que a propriedade privada surgiu da demarcação de terras e causava conflito entre os homens. Para ele, a propriedade era um tipo de “corrente” que aprisionava os homens livres.
As ideias de Rousseau foram de imensa importância para os integrantes da Revolução Francesa, também conhecida como Revolução Burguesa de 1789. Suas ideias, bem como as de outros iluministas – como Montesquieu (1689-1755), Denis Diderot (1713-1784), Voltaire (1694-1778), Jean le Rond d’Alembert (1717-1783), Immanuel Kant (1724-1804) –, nortearam lutas e também contribuíram para a construção de um Estado democrático que previsse uma série de problemas e buscasse minimizar as contradições, sobretudo a desigualdade, entre os homens. Afinal, foi a premissa apresentada em sua obra Do contrato social e discursos sobre a economia política que afirmou que o homem nasce livre, mas que, independentemente de para onde vai, está sempre acorrentado. Essa ideia foi considerada uma convocação para a Revolução Francesa, auxiliando os iluministas a conceber uma sociedade civil alternativa, não governada por uma monarquia absolutista ou uma oligarquia aristocrática, como era até então, mas na qual todos os indivíduos fossem cidadãos, com direito a participação na vida política e nos rumos sociais.
De fato, muitas mudanças e conquistas aconteceram. Todavia, a sociedade decorrente daquelas transformações ainda estaria longe de garantir justiça e igualdade totais e abrangentes para todos, mesmo para os então cidadãos participativos. E, nesse contexto, é possível dizer, com alguma generalização, que a sociedade resultante daquelas transformações foi a capitalista, que, se por um lado superou entraves e problemas do antigo regime feudal, por outro instaurou novas classes sociais – burguesia e proletariado – e novas formas de desigualdades.
A ampliação dos direitos e a efetivação de sua garantia só ocorrem por meio da luta política constante, um permanente estado de participação social manifestada no cotidiano, e não somente na eleição de representantes.